Conheça o time de futebol das vovós sul-africanas

O Vakhegula Vakhegula FC é um time de futebol formado por vovós sul-africanas. Elas começaram em uma cidadezinha do nordeste da África do Sul e hoje disputam amistosos fora do país.

Pedro Leonardo Costa

“Se alguém cair, você deve tentar ajudar. Não fique parada, apenas olhando a pessoa.” À primeira vista, pode ser só uma bronca do técnico Jack Abrahams após o tombo de uma de suas jogadoras durante um exercício. Só que essas palavras também servem pra representar o efeito do Vakhegula Vakhegula FC na vida de suas atletas, velhinhas da pequena Nkowankowa, a 380 km de Pretória.

“Meu filho morreu. Eu chorava, chorava. Sentia dor. Então, Beka criou o time. Agora, eu jogo, jogo, jogo. Ah, estou forte. Vou ter uma vida longa”, diz a gogo Gayisa em uma cena do premiado documentário “Alive & Kicking: The Soccer Grannies of South Africa” (2016), dirigido por Lara-Ann de Wet.

A Beka a quem ela se refere é a assistente social Rebecca Ntsanwisi, que, em 2003, criou o movimento que culminaria na fundação do Vakhegula Vakhegula FC quatro anos depois. Ela própria é um exemplo de como o esporte pode ser benéfico, já que resolveu fazer atividades físicas para manter a qualidade de vida durante o tratamento de um câncer de cólon.

“Eu queria ficar boa logo, pois quando você passa por um tratamento, acaba ficando mais fraca. Então, achei que os exercícios eliminariam toda aquela química que estava dentro de mim. Porque, quando você se exercita, você volta e dorme a noite toda. Quando não faz exercícios, passa a noite inteira acordada e pensando. Stress. Doença. Essa é a rotina. Eu queria mudar isso”, diz “Mama Beka” no documentário.

Vovós sul-africanas do Vakhegula

O início do projeto

Segundo Beka, tudo começou quando ela reuniu algumas gogos (vovós) para fazer exercícios aeróbicos em uma quadra.

“Alguns meninos estavam jogando futebol por lá e nos passaram a bola. Eu disse: ‘corre, vovó!’, e ela decidiu chutar. Chutou fraco, e os garotos riram. Tentou de novo e, depois, estávamos todas chutando a bola e rindo. No dia seguinte, uma delas me ligou e disse: ‘precisamos fazer aquilo de novo, é tão bom!’”, contou.

Quem são as “Vovós Vovós”

O nome do time é autoexplicativo: “Vakhegula” é uma palavra do idioma XiTsonga que significa “vovós”. A repetição é uma referência à seleção principal masculina da África do Sul, os Bafana Bafana.

“Pensamos: temos os ‘Bafana Bafana’, nome que significa ‘garotos garotos’; ok, então, precisamos ser as Vakhegula Vakhegula. Vovós, vovós”, explicou a mama.

Vovós sul-africanas do Vakhegula

A faixa etária do elenco começa na casa dos 50 e não há limites: a mais velha na época da gravação tinha 84 anos. A julgar pelos sorrisos e a vitalidade vistos no filme, o futebol apareceu como uma chance de virada em vidas difíceis. Não no lado financeiro, mas ajudando na superação de problemas como violência doméstica e solidão. Beka lembra que jogar futebol não fazia parte da cultura delas e algumas não tiveram nem a oportunidade de ir à escola: “era um tabu”.

“Algumas pessoas riem da gente, brincam com elas nas ruas, chamando de Cristiano Ronaldo ou Lionel Messi, mas me sinto bem com isso, pois minha avó está com a saúde boa”, contou um jovem no curta.

Papai Jack

Adepto do estilo “paizão”, Coach Jack faz lembrar Joel Santana, ex-técnico da seleção da África do Sul. E mesmo com a idade avançada, as vovós sul-africanas não têm moleza durante os dois treinos semanais do Vakhegula Vakhegula.

“Eu sempre digo a elas: ‘olha, você é minha mãe, você é minha avó, mas, na hora que você entra em campo, passa a ser minha filha e está no meu treino”, contou no documentário.

Jack lambe a cria e fala com orgulho da qualidade do futebol apresentado por elas: “há mulheres jovens que não conseguem repetir o que elas fazem em campo”. No entanto, ele se mostra mais enfático ao falar do impacto do esporte na qualidade de vida das suas comandadas.

“Quando essas gogos têm problemas, ficam com o cérebro congestionado. Mas, quando chegam aqui, jogam bola, fazem exercícios com o corpo e se livram das perturbações, são livres”, afirmou.

A alta média de idade do time é um fator que não pode ser ignorado. Por isso, é natural que o técnico fique bem preocupado caso alguma atleta não esteja presente durante a chamada feita em todos os treinos.

“Eu anoto tudo. Se alguém não está se sentindo bem, registro no caderno. Eu preciso saber porque alguém falta, pois elas são idosas. Quando é assim, vou até sua casa e vejo o que está acontecendo”, explicou.

Sucesso internacional

Pesquisando sobre o time, descobri que existe até uma federação sul-africana de futebol de idosos, a Saefa, que é presidida por Khensani Ntsanwisi – filha de Mama Beka. Em entrevista à rádio estatal “SABC”, a dirigente explicou que o Vakhegula tem mais reconhecimento no exterior. O site oficial da equipe, por sinal, tem imagens até de uma viagem ao Brasil, durante a Copa do Mundo de 2014.

“Infelizmente, somos mais populares fora da África do Sul do que aqui. Já recebemos convites de Japão, Polônia e Rússia. Somos muito procuradas por pessoas de fora para que joguemos em seus países”, declarou Khensani.

Atualmente, as vovós sul-africanas estão em meio a uma viagem de duas semanas pela França, a mais longa do time até então. Em Paris desde 11 de junho, a delegação de 25 pessoas esteve presente no Parc des Princes para assistir à partida entre África do Sul e China pela Copa do Mundo feminina. A excursão não é para só para turismo: as atletas disputarão um amistoso contra jogadoras francesas, na cidade de Saint-Étienne, em 18 de junho.

O futuro do futebol das vovós

O movimento iniciado por Beka já fez com que mais de 40 times semelhantes fossem criados na África do Sul. A própria mama montou equipes nos vizinhos Moçambique e Zimbábue. Rebecca Ntsanwisi, entretanto, não quer parar por aí. Seu objetivo é criar um campeonato internacional, algo que sirva como embrião para um Mundial ou uma Copa Africana de Nações da categoria.

Talvez seja imprudente duvidar do sucesso do projeto. Ainda mais, depois de ouvir a música no idioma sapedi que as vovós sul-africanas cantaram na chegada ao aeroporto de Paris: “unidas, nós fazemos milagres”.


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