Diário do intercâmbio: Jogo do Vasco da África do Sul

O que leva um sujeito a sair de casa sozinho num domingo chuvoso, pegar uma van, saltar no meio do nada e atravessar uma township? Eu diria que é amor ao futebol. A sempre genial Débora Nobre foi mais precisa: “um repente in Africa que faz a gente brigar com o anjo da guarda”. E assim foi o meu domingo. Vagando por Cape Town para marcar um “x” no ítem número três da minha to-do list: assistir a um jogo do Vasco da Gama de Cape Town.

Philippi Stadium - Vasco da África do Sul
Philippi Stadium, onde o Vasco Cape Town jogou contra o Witbank Spurs

O PLANO

O relógio marcava 10h30 e minhas companhias na cidade ainda dormiam. Entrei, sem muita pretensão, no site da liga de futebol e vi que o Vasco jogaria em casa nesse domingo. “Vasco contra alguém, Philippi Stadium, 15h”. Era tudo o que eu sabia.

Quer dizer, lembrei que Philippi é a township onde mora a faxineira aqui da residência. Após uma consulta rápida ao Google Maps, vi que o Philippi Stadium era… err… realmente EM Philippi.

Como não aguento mais esse pessoal da minha casa, saí cedo. Às 11 horas, iniciei a longa caminhada rumo ao Waterfront, onde almoçaria. Peguei um caminho mais longo, indo até Three Anchor Bay. Enquanto sofria com o vento fortíssimo e a chuva gelada no rosto, pensava na minha estratégia.

Após o almoço, peguei um minibus (van) até a estação central (que é interligada à ferroviária). Primeiro, passei na parte dos trens e pedi informações aos seguranças. Segundo eles, era melhor ir de táxi. Hein? Após alguns segundos, percebi que eles se referiam ao minibus.

Já na van para Philippi, enquanto aguardava o início da viagem, o temporal recomeçou. Então, reparei que quase todos os veículos do terminal tinham pneus carecas. Foi uma das 593 vezes em que pensei: “O que eu tô fazendo aqui?”. Mas é o tal do repente, né?

A 594ª rolou quando a van parou num sinal e o motorista saiu para colocar o limpador do parabrisa no lugar. Após essa pausa, perguntei se, no trajeto, ele passaria perto do estádio. Eu falava “stadium”, “football” e “soccer” e ele só entendia “Whiskas, Whiskas, Whiskas”. Sorte que os passageiros me ajudaram.

“Sei como chegar lá. Você tem que saltar no mesmo lugar que eu”, disse um deles.

Chegando em Philippi, percebi que o minibus passava por Philippi mesmo. Dentro da township. Quando estou cercado por barracos, o cara diz que tá na hora de saltar. E lá fui eu, com minha carteira, celular e câmera.

Vasco Cape Town x Witbank Spurs

“Tá vendo aquela ponte (passarela)? Sobe, anda até o fim, onde você verá um Spar (supermercado). Lá de cima, já dá pra ver o estádio. Vai até a rua principal e vira à esquerda. Aí, segue em frente, direto”, explicou.

Primeiro, pensei: “Pô, Spar! Então é fora da township”. Mas aí subi a passarela e vi que, entre aquelas duas torres do estádio e eu, havia uma… township! Valas. Lama. Barracos. Respirei fundo e, ufa!, estádio!

A REDE VAI BALANÇAR

Para minha surpresa, era entrada franca. Havia cerca de 100 torcedores, todos concentrados na parte coberta. Avistei um cara fantasiado de Vasco, me apresentei como torcedor do clube do Brasil.

“Ah, o original!”, disse um.

“Você fala desse lugar aqui?”, perguntou outro, que apontou para seu cachecol do “Brazil”. “Have a seat!”, completou. O futebol é fascinante.

Fiquei surpreso pela estrutura do Vasco. Uniformes, agasalhos, tudo impecável. Deu a impressão de ser um clube modesto, mas arrumadinho.

Na arquibancada, a comunidade portuguesa ficava de um lado, e esse meu grupo de torcedores, de outro. Não entendi o idioma que usavam entre eles, mas vi que a maioria era de muçulmanos.

O comportamento da torcida era diferente das partidas que vi no Green Point. Apenas o homem fantasiado (um macacão branco com a faixa pintada com caneta) tinha vuvuzela. O clima era de jogo do filho no colégio. Muitos aplausos, gritos de incentivo, mas nenhuma música.

Dentro de campo, o Vasco dominou. Havia uma diferença muito grande entre as duas equipes. O Witbank Spurs era muito fraco e ingênuo. Por isso, os anfitriões não tiveram dificuldades para vencer por 4 a 0, gols de Kafke, Lesch (2) e Johnson.

O meia Lesch é o capitão e lembra o Diego Souza. Joga direitinho. Também gostei do lateral-direito Mubara. Já o meio-campo Santo, clone do corintiano Alessandro, tinha um quê de Fabrício Eduardo.

Alongamento pós-jogo

A VOLTA

Naquela caminhada matinal pela chuva, não havia chegado a uma conclusão sobre a volta. Pensava em pegar um minibus até Cape Town (quando nos referimos ao Centro, dizemos “Cape Town”) e andar até em casa. Mas após a viagem de ida, vi que precisaria de outro plano. Sorte que o torcedor fantasiado de Vasco veio com uma solução.

“Não se preocupa. A gente te deixa no aeroporto. Lá, você pega o ônibus MyCiti, que te deixa em Cape Town”, explicou.

E assim foi minha volta. Sentado no banco de trás daquele velho Uno branco, vi que andar sozinho por aquela região seria perigoso. O estádio fica dentro da township, não tem jeito. Não posso reclamar da minha sorte nesse domingo.

Chegando no aeroporto, peguei o MyCiti. É um ônibus azul, bem confortável. O trajeto até o Civic Center custa 53 rands. De lá, partem linhas para outros pontos da cidade, com preços baixos. Peguei o que ia para o Gardens e saltei na Long Street. Confesso que nunca me senti tão bem ao subir as ladeiras de Bo Kaap. Home sweet home.

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