Diário do intercâmbio: Robben Island

No último sábado, visitei a Robben Island, onde funcionava a famosa prisão na qual Nelson Mandela cumpriu parte de sua pena de 27 anos. Não é um programa comum, como a Table Mountain e outras belezas. É, porém, um prato cheio para aquele que curte História.
Apesar de a maioria dos espaços abertos do complexo penitenciário estar tomada por flores amarelas, é um ambiente pesado. As histórias sobre o tratamento destinado aos presos chegam a causar mais náuseas que o barco que leva os turistas à ilha.

HISTÓRIAS

Quando o grupo entra na prisão, é recepcionado pelo guia, um ex-detento. Ele se apresenta e começa a contar as histórias sobre os lugares visitados. O nosso anfitrião chegou à Robben Island em 1983, aos 17 anos, e ficou lá até 1990.
Uma das passagens mais impressionantes foi a da tentativa de um resgate com helicóptero na noite de Natal. Ela foi frustrada porque o Governo sul-africano descobriu o plano de levar os presos para o exílio.
O guia também falou como os presos faziam para se comunicar com o mundo exterior – e também com quem estava em outro setor. Para falar com os aliados políticos que estavam livres, os membros da ANC (partido do Mandela) contavam com a ajuda de um padre. Logo, os sermões de domingo eram sempre muito esperados.
Mandela, por exemplo, contava com ajuda exterior para mandar seus manuscritos para fora da ilha. Foi assim que ele escreveu “A long walk to freedom”.
“Um de seus ajudantes, por ser tão eficiente ao transportar os papéis, virou seu Ministro dos Transportes”, disse o guia.
Ainda sobre o livro, o líder sul-africano o escondia sob uma parreira localizada no jardim que ele próprio mantinha. No mesmo pátio, havia uma quadra de tênis, palco de outra deliciosa história.

OOOOUT!

A maioria dos setores contava com quadras de tênis. No entanto, os presos não mostravam qualidade para disputar nem um Challenger. Afinal, isolavam muitas bolas. O motivo era nobre: comunicação com os aliados do outro setor. Logo, se a geração de 1964 quisesse se comunicar com a de 1976, depositava a mensagem dentro de uma bolinha e mandava para o outro lado do muro.
Era preciso usar criatividade para manter a comunicação em sigilo. Caso algo do tipo fosse descoberto, a punição era severa.
Como quando os guardas descobriram que os presos discutiam sobre política dentro das celas. Para evitar que fossem flagrados novamente, a solução foi simples: cobrir as janelas com cobertores.
Quem também sofreu uma grave punição foi Japhta Masemola. Trata-se do MacGyver da Robben Island. O sujeito simplesmente criou uma chave que abria todas as portas da prisão.

Se já estava frio com vidros na janela, imagine anos atrás…

IN THE COLD, COLD NIGHT

Uma das primeiras celas visitadas é a que tem capacidade para 60 pessoas. O dia estava frio, mas imagino que, há alguns anos, a situação fosse muito pior. As janelas não tinham vidros. Logo, o frio e a chuva entravam direto. E as únicas armas dos presos eram três finos cobertores: um para forrar, outro para se cobrir e o terceiro para servir como travesseiro.
Em alguns setores, a única vestimenta dos prisioneiros era uma camisa de manga curta e um short. No verão E no inverno. Porém, no pátio do jardim de Mandela, vemos uma foto ampliada que mostra o líder bem agasalhado. Farsa. Era apenas uma medida para enganar os enviados dos grupos de direitos humanos.

 A foto 171

Com condições tão ruins, era comum ver presos doentes ou morrendo. A vida era terrível para quem adoecia, pois apenas na quarta-feira a ilha recebia a visita de um médico.

FUTURO

Próximo ao jardim de Mandela, há outra foto, que mostra uma reunião de ex-prisioneiros em 1995. O encontro foi realizado para definir o destino da prisão desativada. O lugar foi transformado em museu no ano seguinte.

 Cela número 7, do Mandela

LIKE A POLAROID PICTURE

– Nada de café-da-manhã reforçado. O barco que leva os turistas à ilha balança muito, e é comum ver gente enjoada. No sábado, o mar estava ainda mais bravo na volta, e alguns passageiros precisaram usar o saco de vômito (presente em todos os assentos).

– Para amenizar os efeitos do balanço do mar, evite sentar nas primeiras fileiras.

– A prisão tinha sete seções, uma para cada tipo de preso. Havia uma para líderes políticos, outra para quem quem fora preso na Namíbia, uma para criminosos comuns, e por aí vai.

– Após o tour pela prisão, os turistas fazem um passeio de ônibus pela ilha. Uma das paradas é na casa de Robert Sobukwe, a primeira voz que se levantou contra o apartheid.

– Sobukwe foi o único preso político da história da África do Sul. Todos os outros envolvidos, como os membros da ANC, eram considerados terroristas. Mandela, por exemplo, só deixou de ter essa classificação oficialmente em 2009.

– O último dia de liberdade de Sobukwe foi um 21 de março. É nesta data que o país celebra o Dia Nacional dos Direitos Humanos.

– Boa parte do trabalho pesado dos presos ocorria na pedreira, onde eles trabalhavam com ferramentas bem simples. Além disso, muitos tiveram problemas respiratórios e de visão, graças à poeira.

– O prédio mais novo – erguido pelos próprios prisioneiros – foi construído sobre tumbas de mortos por hanseníase. Antes da prisão, a ilha abrigava uma colônia de pessoas que sofriam dessa doença. “Eles eram levados para morrer por lá”, disse o guia do ônibus.

– Os doentes tinham uma igreja exclusiva. Nela, quase não havia bancos, pois muitos não conseguiam nem se sentar.

O guia exibe o cardápio: um para coloured e asiáticos, outro para negros

– Recentemente, foi achada uma ossada próximo ao farol da ilha. Como era muito recente para arqueólogos examinarem, o trabalho coube à polícia. As autoridades, no entanto, não mostraram muito cuidado durante a coleta do material. Meteram tudo num saco plástico e nunca deram resposta alguma.

– A Robben Island conta com algumas casas e lembra um pouco a Ilha de Paquetá, no Rio de Janeiro. Quem trabalha ou estuda em Cape Town, pega um ferry boat pela manhã e volta no fim da tarde.

– O ponto negativo desse passeio foi a falta de civilidade dos turistas aparentemente sul-africanos, furando fila, dando cotoveladas, passando na frente de quem fotografava.

SERVIÇO

Para chegar à Robben Island, basta comprar o ingresso na bilheteria da estação no Waterfront. São três horários diários de partida, sendo o último às 13h. O último barco volta às 16h.
O bilhete custa 220 rands e também pode ser adquirido pela internet.
O site oficial do museu, por sinal, recomenda a compra antecipada.

5 comentários

  1. Adoooro visitar essas prisões.. É uma coisa meio macabra, né?
    E o pior é que sempre fico impressionada qnd saio.. Deve ser mt legal ter um guia que viveu aquilo lá (não exatamente pra ele, mas pra turista =P)
    Uma vez, fiz um mt legal. A gente colocava fones de ouvid, aí o som ia direcionando a gente e depois tentava colocar a gente no momento com sons e blablabla das histórias que ocorreram lá. Foi em AlcaTRaz..
    É Leo, tá chegando a hora de voltar a realidade hahahahaha

    bjss

  2. Amo seus depoimentos em forma de post. Quando fui não tinha inglês suficiente pra entender tudo o que o guia dizia, mas tive aula aqui! 🙏🏾🎉

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